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“De agora em diante, nenhum ministro vai poder fazer portaria que depois crie confusão para nós sem que essa portaria passe pela Presidência da República através da Casa Civil”, recomendou o presidente Lula na última reunião ministerial, ocorrida segunda-feira passada. Era uma reação ao imbróglio gerado pelas fake news que viralizaram nas redes sociais, logo após a Secretaria da Receita Federal (SRF) anunciar uma medida para monitorar transações financeiras realizadas via Pix. O objetivo, tecnicamente correto e necessário, era combater a sonegação.
Como se recorda, por orientação da Secretaria de Comunicação Social e contra a opinião das áreas técnicas do Ministério da Fazenda, o governo submeteu-se a uma humilhação que o levou a revogar a norma da SRF. A avaliação teria sido a de que não haveria como reverter a opinião contrária nas redes sociais, especialmente depois que um deputado, em ação demagógica de grande impacto, obteve mais de 200 milhões de acesso ao post no qual condenava o monitoramento. O parlamentar insinuou que se tratava de prelúdio de um aumento de impostos que afetaria todos, principalmente pequenas empresas e trabalhadores informais.
A medida provisória que sacramentou o recuo dispõe sobre o óbvio e o desnecessário. Estabelece que o governo não poderá usar o Pix para tributar transações financeiras. Ocorre que isso já é proibido, pois a Constituição não autoriza a cobrança de tais tributos. Pior foi a orientação do presidente sobre a emissão de portarias. A Casa Civil exerce um papel relevante no exame de processos iniciados nos ministérios, que solicitam a aprovação do presidente da República, principalmente se tiverem que ser submetidos à apreciação do Congresso, como são os casos daqueles que fixam ou alteram normas legislativas. A Casa Civil não está aparelhada para examinar cada portaria ou documento semelhante.
Em todo o mundo, a crescente complexidade das tarefas do governo levou à necessidade de delegar autoridade aos níveis inferiores da administração, para expedir normas. Na Inglaterra, até o século XVII, era o rei que sancionava leis aprovadas pelo Parlamento, mas também lhe cabia, por exemplo, reconhecer a autoria e a utilidade de uma inovação, o que acarretava a emissão da respectiva patente. No documento, o rei estabelecia que it is patente that Mr. X has proved…(é patente que o Sr. X provou que …). Com o tempo, de tanto repetida, a autorização ficou conhecida como “patent” (patente).
No Brasil, os ministros e os detentores de cargos na administração pública até o terceiro escalão emitem diariamente grande quantidade de portarias, resoluções, instruções normativas, notas e semelhantes. O Banco Central divulga com grande frequência resoluções, circulares e cartas-circulares, não raramente de caráter urgente. Já imaginaram a avalanche de processos na Casa Civil? O resultado seria o acúmulo, a elevação da ineficiência da administração pública federal e os custos da demora na implementação de medidas urgentes.
Dificilmente o presidente ou o ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social terão estudado cuidadosamente o assunto. Eles teriam sido, pois, levados a erro por mero impulso. Do contrário, a ideia teria morrido na sua origem. Tudo indica que a decisão de Lula cairá no esquecimento por pura impraticabilidade.
- Governo Lula
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